Sunday, May 07, 2017

O batalhão fantasma




O meu espírito aventureiro levou-me a iniciar mais uma viagem. Como em muitas outras vezes, sem saber o que encontrar do outro lado. Sabia contudo quem se dirigia no sentido inverso, quem era suposto encontrar a meio caminho. Como dois batalhões fiéis à mesma bandeira, agrupando-se num local de forma a levantar um acampamento. Estabelecida a base, desdobrados os mapas na mesa como em muitos épicos da cinematografia de guerra, planeámos e executamos missões de treino ou mesmo de alto risco, escoltas de colunas de abastecimento ou perigosas incursões em terreno inimigo.

Entretanto, a nossa segurança é ameaçada por inúmeros factores, obrigando a uma deslocalização da nossa base. Os treinos são mais intensos, incorporando métodos de preparação com fogo real. Actos de sabotagem são perpetrados, um trabalho interno com o intuito de causar baixas e danificar o moral dos pelotões. Subitamente, estamos em alerta máximo. Para assegurar a sobrevivência do grupo, é necessária uma cisão entre os dois batalhões, para que possam combater em duas frentes distintas.

Após árduas disputas entre trincheiras e ruínas, acentuadas pela máquina da propaganda, ansiamos por nos reencontramos com o 2º batalhão e mais uma vez reunir forças. A comunicação via rádio é clara. As coordenadas apontam para um local seguro, a vários "clicks" de distância do mais próximo sector onde se encontra o inimigo. Aí chegando, estabelecemos um perímetro de segurança e começamos a preparar a logística de forma a podermos receber os nossos camaradas, que brevemente chegarão à recém estabelecida base.

Horas depois, surge um contratempo. Um emissário chega à nossa base, dizendo que teremos que nos mover novamente. O 2º batalhão não poderá encontrar-se connosco neste local. Teremos de sacrificar a segurança da corporação, movimentando-nos lentamente. Levando os elementos feridos, fazemos jus ao lema de não deixar nenhum homem para trás.

No novo ponto de "rendez-vous", somos confrontados por novas dificuldades. O terreno é instável e impróprio para acomodar as nossas tropas com segurança. Estamos estrategicamente vulneráveis, expostos em todas as direcções. Literalmente, estamos à mercê do inimigo. Mas é aqui que o 2º batalhão se quer re-agrupar connosco.

Somos atacados. "Air-strikes" sucessivos fustigam o nosso acampamento. Mas os reforços não chegam, apesar dos vários pedidos de ajuda efectuados. Somos obrigados a "aguentar o forte". Ou a entrar em movimento novamente. Apressadamente, deixando mantimentos e munições para trás, tentamos escapar do inimigo, por entre campos de minas e armadilhas escondidas na mata cerrada.

Novas comunicações via rádio indicam-nos novos locais onde reencontrar a patrulha amiga. Mas nunca nos voltamos a encontrar. Somos sempre informados que teremos de percorrer mais de meia centena de quilómetros para poder reunir-nos com os nossos colegas.

Olhamos para o mapa. A região cartografada já quase não possui zonas que não estejam controladas pelo inimigo. Será que alguma vez encontraremos o batalhão fantasma?

Monday, June 08, 2015

Bela Adormecida


 Quatro anos se passaram. Muita coisa mudou.

A realidade é tão cruel que faz com que o passado se assemelhe a um sonho. Um sonho longo que se esvaiu em fumo, eclipsando-se no éter como se tivesse sido algo momentâneo. Um fait-divers utópico, um acaso do destino que representou momentos de pura felicidade, contrastantes com a banalidade reinante dos tempos actuais. Interrogações surgem.

Quem sou? Quem és? Quem somos? 
Para onde vamos? Onde estamos? Como chegamos aqui? 

A jornada foi aprazível. Auspiciosa e bem sucedida, embora com os seus momentos turbulentos. Mas de repente deparo-me com uma barreira de gelo e pedra. Sólida e impenetrável. 

Elaboro planos para derrubar esta fortificação. Mas quando postos em prática, nada mais conseguem do que conduzir-me a um estado de frustração.

Como um paladino ouso desafiar esta melancolia, mas rapidamente esta se converte em incerteza e desespero. O meu aríete não consegue perfurar as portas desta fortaleza que persiste em atormentar-me.

Penso e repenso. Como vencer as muralhas desta construção fortificada, para que possa iluminá-la com a chama do Olimpo, que transporto na minha tocha?

Chego a desesperar. Obstáculos sucessivos são lançados. A fortaleza actualiza-se, protege-se, melhora as suas defesas, armas e contramedidas. Executa upgrades, expande-se e reprograma-se como se de um software ou hardware se tratasse. Espectros assustadores e gárgulas vigilam, rondando pelos seus cantos. Encontro fossos povoados por caimões, pontes levadiças e portões maciços. Caso estes sejam vencidos, trajectos labirínticos teoricamente intransponíveis aguardam.

Tento descobrir quem habita tão frígida e complexa estrutura. Vislumbro um rosto que me observa da torre mais alta. Tento comunicar com esta entidade. Segundo ela, sou bem-vindo à sua propriedade. 

A porta abre-se. Entro. Atravesso um átrio semi-deserto povoado apenas por corvos. Nele ecoam sons que me transportam através de dimensões espaço-temporais, trazendo recordações e sentimentos mistos. 

Subo torre atrás de torre, por escadarias que chego a questionar não terem fim. Por fim, chego ao meu destino. A torre mais alta. 

Entro porta adentro. Vejo um rosto familiar. Uma fêmea que me despertou paixão noutros tempos. Que fez parte do meu sonho. 

Tocando numa roca de fiar, lentamente a vejo entrar num torpor, qual Bela Adormecida. Tento acordá-la, sacudindo-a para que saia do seu estado de inação. Mas a inércia é permanente. Nem o beijo do Príncipe Encantado consegue arrancá-la da catatonia causada por este feitiço poderoso. 
 
Interrogo-me porque me terá deixado entrar, se tencionava privar-me da sua companhia.
 
Olho em redor. Sento-me a um canto, numa velha poltrona. E espero pelo dia em que volte a acordar.

Tuesday, March 22, 2011

A planície, o carrossel e a montanha...


Muitos de nós idealizamos uma vida calma. Desejamos que esta seja como uma planície. Que significa isso? Continuidade? Estabilidade? Ou antes uma vida sem percalços de maior, correndo o risco de se tornar enfadonha? Em que os eventos ocorrem segundo um plano meticuloso, em que não há grandes surpresas? Na qual atingimos os nossos sonhos de forma tranquila, metódica e progressiva? Conseguirá ela manter-se interessante, ao longo de uma linha recta? Ou tornar-se-á insípida? A sua linearidade contribuirá para manter a sua força? Ou cairá ela na monotonia, motivada por uma reinante paz que paradoxalmente causará a sua ruptura?

Eventualmente, a nossa vida será marcada por alguns percalços. Por mudanças. Por oscilações. O que é normal? Uma vida agitada e turbulenta? Ou uma vida calma, e quiçá sedentária? Talvez ambas.

Talvez precisemos de alternar momentos de calma com momentos de maior intensidade. Para nos sentirmos vivos. Talvez precisemos de sentir diferentes estados de espírito em determinados momentos. De estabelecer uma harmonia entre descargas de adrenalina e a pacatez a que estamos habituados. Saber relaxar. Saber vibrar. Apreciar a placidez de um lago ou a vivacidade de um mar bravo e revolto.

De repente damos connosco dentro de um carrossel. Acidentalmente ou de forma planeada. Por iniciativa própria ou por arrasto. Por impulso ou por sugestão. À espera de uma emoção "controlada" ou surpreendidos por um momento turbulento. E ali andamos, sacudidos de um lado para o outro, num turbilhão desenfreado, dentro da "mítica" chávena que nos agita como se de um líquido nos tratássemos. Tudo isto enquanto rodopiamos ao ritmo de uma seca ondulação que nos eleva e baixa numa previsível e repetitiva cadência.
Tudo isto dura uns minutos. O seu efeito é momentâneo. Poderemos até colocar outra moeda caso queiramos repetir a experiência. Mas contudo, esta viagem deixará no nosso íntimo a sua marca. Sob a forma de recordações gravadas na nossa memória.

Mas por vezes embarcamos numa intensa e poderosa jornada. Mais susceptível de deixar cicatrizes na nossa alma. Quando tal acontece, podemos dizer que temos uma verdadeira montanha à nossa frente. Para conquistar. Cheia de escarpas e vertentes, penhascos e íngremes e escorregadias encostas. Ocasionalmente, optamos por evitar este longo e perigoso caminho. Mas por vezes, embrenhamo-nos nele, mesmo que não seja essa a nossa intenção. E lá nos encontramos. No meio de um nevão. Enregelados. O nosso guia abandona-nos a meio caminho, dizendo que não nos acompanha caso queiramos aventurar-nos pela borrasca afora. Nem mais um metro. Só nos resta permanecer na base. O último posto de sobrevivência. Entre o sopé e o cume. Ali entalado, correndo o risco de ser levado por uma eminente derrocada. Uma avalanche. Ou em alternativa, descer para a segurança, fazendo o longo e perigoso caminho de regresso. Ou lutar. Lutar para atingir o cume e a glória. Arduamente. E dizer "Eu hei-de hastear a minha bandeira no cume. Eu vou conquistar esta montanha."

Por vezes, aquilo que julgamos encontrar, na realidade é algo totalmente diferente. Uma pachorrenta planície transforma-se do nada numa viagem pelo carrossel, ou até mesmo numa arriscada aventura por montes e serras alpinas. Só nos resta viver esses momentos dando sempre o nosso melhor. Juntos.

Sunday, February 06, 2011

Noite de Âmbar



Pensando o óbvio. Perante a negritude da noite, os candeeiros reluzem, iluminando baçamente a estrada, dando um tom ocre ao asfalto molhado.

O comboio desloca-se depressa, nesta noite revestida a tons sépia. No seu interior, parecemos bonecos coloridos, aprisionados numa redoma, circundada por um jardim de cobre, estanho e argila.

A luz interior é de um branco enfermo, que perdeu há muito a sua vivacidade, apresentando agora uma mescla de pálidos tons esverdeados e azulados.

A visão através da janela proporciona uma perspectiva alargada das ruas, mas paradoxalmente redutora, perante a dificuldade de contemplar as suas formas, graciosas ainda há algumas horas atrás.

Só me resta a minha imaginação. Só recorrendo a ela conseguirei vislumbrar algo para além desta Noite de Âmbar.


Road Movie


The closing of a door leads to the opening of another. The feeling of entrapment that was weighting in my shoulders is now gone, as I leave home and head for the car. As I sit, I sense an aura of mystical proportions. The dark road takes me in a journey into the unknown, through a lost highway towards the realm of bizarre. The dusk carries a misty breeze. It mixes with the dust that flows from the surrounding desert. The headlights cut through the darkness of the foggy night as I head into the void. Odd occurrences await me in this parallel dimension. The road is long, by my will matches it.

Tuesday, July 29, 2008

Exuding Moisture...


Sodium chloryde and urea. It's a part of us. We are destined to be together. Forever.

Sometimes it is not welcome though. Specially when it shows up without calling first. Uninvited. When there is no A/C or shower around.

I wish I could make those glands stop for a moment, but they work even harder when I think of it.

It's an unsurpassable cascade of body fluid. Summer is often unforgiving in these situations.

A love-hate relationship. I know I can expect it in a basketball game or at the gym. But I'm not ready for it in a crowded train, in class or at the local bookstore.

Sweat. My eternal companion.

Friday, July 04, 2008

The Ghost Girl


You must be some sort of divinity. Your sparse manifestations become less frequent over the years. Always carrying the banner of Hope, though bound you may be. But that inebriates me with a sense of tangible Freedom, felt in every skin pore.


From time to time you show up, like an apparition, telling me your tales of grief and sorrow. You feed me with the false illusion that I can play a role in your life. I hear your pain but I can't feel it. I wish I could. But you won't let me in. You tirelessly row with broken oars against the cynical and treacherous tides, alone and brave; you walk amongst your kin like a Ghost Girl, not expecting help, coaching or support from anyone; your dedication to your principles seems to lead into a path of obsession: an obsession to "do good" and to walk away from the shackles that restrain you.


I wish you could feel the air that surrounds you. I wish you would come out of your protective dome and stop pursuing your goals in such a painstakingly way, enduring great deprivation. As noble as they may be, they are chased through a road paved with degradation and mayhem. The air I breathe is not pure. But it's better than holding my breath.

Tuesday, June 24, 2008

VR...Overtaken by the Digital Millennia


It's been a few years since I have connected myself for the first time. Gradually, I was being converted since then, peacefully. I didn't even try to resist. Internally, my natural defense systems were deceived and accepted the intrusion masked as a gift, bearing a large resemblance to a Trojan horse. Slowly it has been working, like a sleeper cell, meticulously setting its path into the final objective, without commiting mistakes or causing suspiction. I notice that the process of assimilation is near its completion. This metamorphosis has been taking its course along the years, but I hardly notice it. Why? Because I feel like this has always been a part of me.

In my mind, I feel accomplished. I hear the bleeps and beeps. It won't be long until my body joins the party. I want it to be the perfect technological interface. Soon I'll be breathing source codes and shiting binary. My veins will be made of fiber optics, with streams of data flowing inside instead of blood. My brain cells work as an advanced chip, analyzing, storing and processing information in its core rapidly.

I yearn for a digital life, and I wait paciently for a time when the reality I live in is absorbed by a far less cruel one...Virtual Reality.