Monday, February 19, 2007

Crate diggin'...




Todas as vezes que a oiço, sinto algo. Até me fartar. Podem passar dias, meses, anos até nos voltarmos a encontrar. Já não pensava nela há tanto tempo. Sou egoísta. Posso fechá-la a sete chaves, num buraco. Já me salvou a vida algumas vezes. Contudo, esqueço-me dela, perdida no submundo das catacumbas romanas. Quando preciso, vou à procura dela. Às vezes não me importo de a partilhar. Por outras vezes quero-a só para mim. Tanto pode ser a minha musa de todos os dias como alguém que satisfaz todos os meus caprichos juvenis apenas por alguns minutos. Procuro nela algum conforto. Um escape. Fico feliz só de olhar e confirmar que ainda lá está. À minha espera. Que lhe toque. Nessas ocasiões nem preciso de a ouvir. Ela chama-me, mas por vezes ignoro-a. Sinto o seu toque quente. Abraço-a, retribuo o carinho que me dá. Mas nem sempre. Às vezes sinto a sua repulsa, como se fossemos dois pólos magnéticamente idênticos, que não se podem atraír. Aí, faço dela o meu saco de areia. Despejo toda a minha raiva, a minha fúria. Mas ela compreende. É para isso que ela lá está. Para despertar em mim os mais animalescos instintos, bons e maus. É como um espelho. Uma droga alucinogénica que reflecte o meu estado de alma. Tanto amplia a minha força e me motiva, concedendo-me super-poderes, fazendo-me extravasar numa torrente explosiva de energia, como me reduz a um estado melancólico, catatónico, amorfo, tal como uma pepita de kryptonite pode anular a maior das forças conhecidas. No âmago, ela procura e encontra. É quem verdadeiramente me conhece. O que será que ela significa para mim? Tudo. Nada. É só uma música. É mais do que uma música.

Escape...

À medida que o dia avança, a sua intensidade torna-se maior. Estou a caminho do trabalho de manhã. Não a sinto ainda, mas já está dentro de mim. Vai crescendo gradualmente, com cada tique-taque. O senhor do Tempo retarda a progressão da areia na ampulheta, afrouxa o movimento dos ponteiros no relógio, paralisa a sombra de todos os objectos. Os segundos do Casio digital arrastam-se numa cadência cataléptica. Até o cuco preguiçoso parece sair do seu ninho de 3 em 3 horas apenas. A minha psique, como que ganhando coragem, finalmente se revela. Sussurra-me aquela melodia inebriante, como uma musa interior. Dirigem-me a palavra de repente. Interrompem-me. Ouço beeps e blips, marteladas nos teclados, toques nos ratos, piparotes nas canetas, o arrastar de cadeiras, vozes a grasnar que nem patos, botões e agrafadores são pressionados. Um supervisor diz em voz alta "Amanhã espero que se façam duas vezes mais beeps e blips, marteladas, toques, piparotes e arrastares nos mais variados objectos. Os objectivos do próximo mês exigem que mais 2456 botões sejam pressionados. E terão de grasnar mais alto para que tal aconteça. Toca a trabalhar, façam um esforço." Quero entrar num estado de dormência, num stand-by como qualquer aparelho electrónico, quiçá mesmo desligar a mente, vaguear em campos fantasiosos, procurando uma qualquer quimera. Cada nuvem que preenche o puzzle azul celeste é uma rajada de spray num graffiti mental, nos domínios do imaginário. Quando dou por mim, é hora de regressar a casa. A mesma melodia inebriante espera por mim. A escuridão cai, rápida e tenebrosa. A chuva é sua companheira.