Monday, February 19, 2007

Escape...

À medida que o dia avança, a sua intensidade torna-se maior. Estou a caminho do trabalho de manhã. Não a sinto ainda, mas já está dentro de mim. Vai crescendo gradualmente, com cada tique-taque. O senhor do Tempo retarda a progressão da areia na ampulheta, afrouxa o movimento dos ponteiros no relógio, paralisa a sombra de todos os objectos. Os segundos do Casio digital arrastam-se numa cadência cataléptica. Até o cuco preguiçoso parece sair do seu ninho de 3 em 3 horas apenas. A minha psique, como que ganhando coragem, finalmente se revela. Sussurra-me aquela melodia inebriante, como uma musa interior. Dirigem-me a palavra de repente. Interrompem-me. Ouço beeps e blips, marteladas nos teclados, toques nos ratos, piparotes nas canetas, o arrastar de cadeiras, vozes a grasnar que nem patos, botões e agrafadores são pressionados. Um supervisor diz em voz alta "Amanhã espero que se façam duas vezes mais beeps e blips, marteladas, toques, piparotes e arrastares nos mais variados objectos. Os objectivos do próximo mês exigem que mais 2456 botões sejam pressionados. E terão de grasnar mais alto para que tal aconteça. Toca a trabalhar, façam um esforço." Quero entrar num estado de dormência, num stand-by como qualquer aparelho electrónico, quiçá mesmo desligar a mente, vaguear em campos fantasiosos, procurando uma qualquer quimera. Cada nuvem que preenche o puzzle azul celeste é uma rajada de spray num graffiti mental, nos domínios do imaginário. Quando dou por mim, é hora de regressar a casa. A mesma melodia inebriante espera por mim. A escuridão cai, rápida e tenebrosa. A chuva é sua companheira.

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